15 de abril de 2020
Torcedor Misto, sim! Qual o problema?
Pesquisa IBOPE Repucom revela o perfil dos que torcem para mais de um clube de futebol
Por José Colagrossi, diretor executivo do IBOPE Repucom
Um dos efeitos do momento atual, que provocou a paralisação global do esporte, é termos a oportunidade de aprofundar em estudos sobre temas complexos. E com base na pesquisa DNA Torcedor 2017, que investiga os hábitos dos torcedores de futebol no Brasil, abordaremos um dos tópicos cada vez mais polêmicos nas discussões sobre futebol atualmente: o chamado “torcedor misto”.
Para os poucos que não sabem do que estamos tratando, torcedor misto é o fã de futebol que torce, de verdade, para mais de um time, geralmente um time local e outro de fora de sua cidade, região, ou até mesmo de outro país.
Onde tudo começou
Esta forma de torcer cresceu muito a partir dos anos 70, quando os jogos das equipes do Rio de Janeiro começaram a serem transmitidos ao vivo para as regiões Norte e Nordeste. Entretanto, foi nos últimos 20 anos que esta categoria explodiu, muito por conta do crescimento do interesse e larga transmissão do futebol europeu em nosso mercado.
Hoje, da mesma forma que é comum encontrarmos fãs que torcem por um time do Nordeste e para outro do Sudeste, também é comum encontrarmos fãs de futebol que torcem por um time brasileiro e outro europeu.
Antes de avançarmos as nossas análises, temos que fazer uma distinção: torcedor misto é o fã que torce para dois times do mesmo esporte, nesse caso, futebol. Torcedor multiesportes é aquele que torce para vários clubes de esportes diferentes (como futebol, NFL, NBA etc.), modalidade de torcedor cada vez mais comum hoje em dia.
Para que possamos entender melhor o torcedor misto, foco da nossa análise, é importante antes definirmos todos os tipos de torcedor.
Além do torcedor misto, existem outros quatro tipos de torcedores de futebol:
- Torcedor-raiz ou superfã – Aquele que se engaja com o time o tempo todo e em qualquer situação. O superfã é sócio torcedor, vai aos jogos, assina pay-per-view o ano todo, compra camisa oficial, e está sempre nas mídias sociais comentando, defendendo, brigando pelo clube de coração. Frequência e intensidade o definem.
- Torcedor ou fã – É uma versão menos engajada do superfã e o nível depende do sucesso do time no campo. Se o time está bem, engajamento total. Se não vai bem, torce igual mas com distância e intensidade menores.
- Torcedor de oportunidade – É aquele que torce quando for conveniente. Quando o time está bem, vira, temporariamente, um superfã. Quando o time está mal, hiberna. Não deixa de torcer, mas fica frio e distante durante o “inverno de conquistas”.
- Torcedor de Copa do Mundo – É aquele que só se interessa por futebol na Copa do Mundo e apenas torce pela Seleção Brasileira de Futebol.
Com base na pesquisa DNA Torcedor 2017, que ouviu 6 mil torcedores ao vivo mais 2 mil torcedores online em todo o Brasil, fizemos uma análise de afinidade de perfil demográfico entre o grupo que possui mais de um time de coração (torcedores mistos) em comparação com o perfil demográfico geral dos torcedores de clubes de futebol. Também analisamos a proporção deste tipo de torcedor no volume total de torcedores de cada região. Os resultados podem surpreender.
Um em cada três torcedores de times de futebol no País são “Torcedores Mistos”
Os torcedores que possuem simpatia por mais de uma equipe, além de seu time de coração, são um total de 41,4 milhões de pessoas, ou 37% dos 110,4 milhões de brasileiros que afirmaram torcer para algum clube de futebol.
Ao comparar os perfis demográficos dos torcedores em geral (110,4 milhões) com o grupo que simpatiza com uma equipe extra (41,4 milhões), notamos algumas afinidades dentre os popularmente chamados torcedores “mistos”.
- Gênero: Quem achou que o grupo dos “mistos” fosse formado em sua maioria por mulheres, errou. Ao comparar os perfis dos torcedores de futebol em geral com os torcedores mistos, a proporção de mulheres aumenta apenas 3%. Mas a maior proporção entre os mistos é masculina, com 54% de participação.
- Faixa Etária: Os “mistos” se concentram em torcedores com faixa etária acima dos 35 anos. Eles são mais velhos: a proporção dos com 35 a 44 anos são 5% maior que os torcedores em geral, 45 a 54 anos (+3%) e 55 anos ou mais (+6%).
- Região: o Nordeste apresenta variação de 27% na proporção de mistos na comparação com o perfil geral de torcedores de futebol, mas é na região Sudeste onde está a maioria dos mistos. Se entre todos os 110,4 milhões de torcedores de futebol no Brasil 25% estão na região Nordeste, a participação da região entre os “mistos” sobe para 32% (13,2 milhões de torcedores), um acréscimo de 27%. O Sudeste, mesmo com uma participação de “mistos” menor que sua participação entre os torcedores em geral, ainda lidera em volume: 41% destes torcedores estão na região, o que representa 17 milhões de indivíduos que torcem para mais de um clube de futebol.
- Tipo / tamanho do município: leve variação (+3%) em cidades do interior e variação de 13% em cidades pequenas, com até 50 mil habitantes.
Então, diante dos fatos, podemos responder à algumas perguntas que sempre são discutidas quando o assunto dos mistos é pauta:
MITO OU FATO? “Regiões Norte e Nordeste concentram maior quantidade de mistos” do País.
Proporcionalmente, sim. Dos 27,8 milhões de torcedores do Nordeste 13,2 milhões (ou 48%) afirmam torcer para mais de uma equipe. O que torna a região líder na proporção de mistos entre seus torcedores. Já as regiões Norte e Centro-Oeste possuem 37% de mistos, no Sul são 34% e no Sudeste 33%. Porém, em volume absoluto, o Sudeste lidera com mais de 17 milhões de torcedores mistos.
O Misto de Antes é o Mesmo Misto de Hoje?
Em grande parte, não. O torcedor misto tradicional torce por um time local e outro no eixo Rio-SP. Isso explica o enorme número de torcedores e simpatizantes que clubes como Flamengo e Corinthians tem no Norte e Nordeste. Entretanto, como explicado, o torcedor misto do século XXI, em grande parte, divide seu coração entre um time brasileiro e outro europeu. Lembrando, também, que existe uma outra tendência crescendo em nosso país: o misto multiesportes. Esse é o fã que declara sua paixão por times de esportes diferentes, como NBA, NFL, MLB etc.
Ser misto é necessariamente ruim? Ou, o torcedor misto é um torcedor inferior?
Futebol evoca paixões fortes. Numa sociedade onde mudanças acontecem em todos os níveis, o time do coração é a exceção à essa regra. Ninguém troca de time de futebol. E no olhar e julgamento dos torcedores mais fanáticos, o torcedor misto é um “sub-torcedor”. Entretanto, a paixão que o torcedor misto sente é legítima e deve ser reconhecida.
Além disso, nossos dados mostram que mesmo os torcedores mistos acabam tendo um (e apenas um) clube realmente de coração, e um outro para qual se sentem “enorme simpatia”. Assim, o torcedor misto, na realidade, é torcedor do clube “A” e sente enorme simpatia pelo clube “B”.
Se existe de verdade um certo preconceito com o torcedor misto, para as marcas, clubes e veículos de comunicação a existência do torcedor misto definitivamente é um ótimo negócio. Ser fã de duas ou mais equipes amplia o potencial de audiência, engajamento e conversão de vendas de produtos e serviços de patrocinadores. Afinal, os torcedores mistos também são fãs, sobretudo, do futebol.
Realmente, essa discussão é polêmica e traz fortes emoções contra e a favor. A verdade é que não existe regra de “como torcer”. Cada um decide como, quando e onde investir sua atenção e emoção. Também é verdade que time mesmo, só temos um. E não se muda! Portanto, o torcedor misto não torce para mais de um clube, mas sim, torce para apenas um, enquanto sente enorme simpatia por outro.
Como alguém que vive esporte 24/7 tanto profissional quanto pessoalmente, acredito que se toda forma de paixão, que não seja abusiva, é sagrada, toda forma de torcer, que não seja abusiva, também é. Portanto vamos mostrar, por favor, simpatia pelo torcedor misto. Afinal ele não é tão diferente de todos os outros…
José Colagrossi
Formado em Marketing pela Fairleigh Dickinson University e MBA pela Columbia University, José gerencia todas as operações na América Latina, sendo responsável pela expansão do IBOPE REPUCOM no continente. Desde que ingressou ao IBOPE REPUCOM, em 2011, Colagrossi oferece suporte a clientes locais bem como clientes globais que operam na região, com foco em projetos de avaliação de mídia, eficiência de patrocínio, estudos de ROI assim como projetos de pesquisa de mercado. Colagrossi também é COO da divisão global de esportes da Kantar.
Fonte: IBOPE Repucom – DNA Torcedor 2017
Pesquisa com abrangência nacional, com objetivo de mapear o tamanho, perfil, hábitos e preferências das torcidas do futebol brasileiro.
Amostra e universo: 6 mil entrevistas presenciais e 2 mil entrevistas online, com representatividade da população brasileira com 16 anos ou mais, totalizando 159,7 milhões de indivíduos.
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